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"O que fizemos da Eucaristia?"


Dom Helder Câmara, em um de seus famosos discursos, se perguntava: “O que fizemos da Eucaristia?” Impressionava-se que o Brasil, o maior país católico do mundo, fosse também um dos mais injustos, onde existem tantas desigualdades sociais e econômicas. Para arcebispo de Olinda-Recife, estava claro que na Igreja no Brasil existia um profundo divórcio entre a fé e a vida social, entre a comunhão com Deus e a comunhão com os irmãos. Neste sentido, Dom Helder afirmou:


Quando a eucaristia é recebida no momento da morte é chamada de viático: Jesus é o companheiro para a grande viagem que se inicia. Mas como chamar a eucaristia recebida para viver e fazer viver a justiça? Não nos iludamos: o mundo conhece muito bem o escândalo. São cristãos, ao menos na origem, aqueles vinte por cento da humanidade que tem em suas mãos oitenta por cento dos recursos da terra. O que fizemos da Eucaristia? Como conciliar-lhe com a injustiça, filha do egoísmo?[1]


Bento XVI, em uma de suas catequeses, dedicou fortes palavras sobre o tema da celebração da Liturgia e a caridade para com os necessitados:


"Amor pelos pobres e liturgia divina caminham juntos, o amor pelos pobres é liturgia. Os dois horizontes estão presentes em cada liturgia celebrada e vivenciada na Igreja, que por sua natureza se opõe à separação entre culto e vida entre a fé e as obras, entre a oração e a caridade pelos irmãos".[2]


O primeiro Papa Latino Americano segue a mesma lógica. Goffredo Boselli fala do grande retorno dos pobres ao coração da Igreja que foi provocado por Francisco já em poucos dias após sua eleição como Bispo de Roma e Pastor Universal da Igreja. Segundo o monge de Bose, o papa jesuíta provocou o retorno de um tema que foi chave no Vaticano II. Certamente a escolha do seu nome já havia indicado alguma coisa, mas foi na sua primeira audiência pública que esta realidade foi confirmada. "Ah, como eu queria uma Igreja pobre e para os pobres!"[3]

Ainda segundo Boselli:


"O vínculo entre liturgia e solidariedade com os pobres, a relação entre Eucaristia e exigência social foram temas intensamente sentidos e debatidos na Igreja durante os trabalhos do Concílio e depois, a partir dos anos setenta do século vinte. Depois, por mais de trinta anos a opção preferencial pelos pobres desapareceu do horizonte da Igreja, sobretudo a europeia, até dois dias após sua eleição, exatamente no dia 16 de março de 2013, o Papa Francisco afirmou: "desejo uma Igreja pobre para os pobres". Daquele dia em diante, os pobres retornaram ao coração da Igreja[4]."


Em seus numerosos discursos o Papa tem dedicado palavras relevantes no que diz respeito à relação entre a fé e a vida social, entre espiritualidade cristã e compromisso com os mais necessitados:


"Mas a Eucaristia que eu celebro, leva-me a senti-los todos verdadeiramente como irmãos e irmãs? Faz crescer em mim a capacidade de me alegrar com quantos rejubilam, de chorar com quem chora? Impele-me a ir ao encontro dos pobres, dos enfermos e dos marginalizados? Ajuda-me a reconhecer neles o rosto de Jesus? Todos nós vamos à Missa porque amamos Jesus e, na Eucaristia, queremos compartilhar a sua paixão e ressurreição. Mas amamos, como deseja Jesus, os irmãos e irmãs mais necessitados?"[5]


A Eucaristia como diziam os padres, é “remédio para os fracos” e nunca será um mérito para os bons. É "sustento para os fracos e não prêmio dos heróis". Em sua encíclica sobre a Eucaristia, o Papa João Paulo II afirmou que a Igreja vive da Eucaristia[6]. Mas, ainda são tantos os desafios e resistências da parte de alguns cristãos em colocar em prática esta realidade assim explicitada pelo próprio Evangelho e por tantos padres antigos e que agora é retomada por Francisco com todas a suas forças. Alguns, talvez por demasiado escrúpulo, ou até por uma reta intenção de valorizar o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, terminam por distanciá-la das pessoas. Acabam considerando que é mais correto deixá-la no ostensório que alimentar a multidão faminta. Vale a pena recordar as belíssimas palavras de Dom Luciano Mendes de Almeida no 15ºCongresso Eucarístico do Brasil: “A Eucaristia quer nos convencer que Deus nos ama. Tudo o que acontece é visto à luz do amor. Não coloco mais em dúvida o amor”[7].

Fragmento do texto: A Eucaristia como sustentos dos fracos no magistério de Francisco.




[1]Cfr. H. Camara,«L’eucharistie, exigence de justice sociale», in Parole&Pain 42 (1971), pp. 75-76.


[2]Bento XVI, "Il Concilio di Gerusalemme e l’incidente di Antiochia", em Id., In cammino sotto la guida dell’apostolo Paolo nel bimilenário dela nascita. Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano 2009, P. 44.


[3]Francisco,Discurso do Papa Francisco durante o encontro com os representantes dos meios de comunicação social(16 de março de 2013).


[4]Cfr. G. Boselli, Cosa abbiamo fatto dell’Eucaristia.


[5]Francisco,Audiência Geral(12 de fevereiro de 2014).


[6]João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, Carta Encíclica (17 de abril de 2003), n.1.

[7]Luciano Mendes de Almeida, 15º Congresso Eucarístico do Brasil in http://eventos.cancaonova.com/cobertura/como-e-o-ceu-dom-luciano-mendes-responde/(18 de maio de 2017).



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