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A ignorância que gera a intolerância

  • Bruno Franguelli, SJ
  • 22 de out. de 2019
  • 2 min de leitura


Depredar templos, igrejas e destruir objetos religiosos da devoção alheia são gestos intolerantes que se tornaram comuns nos dias de hoje. Em nome de uma crença se destrói e violenta aquele que tem uma sensibilidade religiosa diferente da sua. Nem mesmo o cristianismo ficou fora desta atitude desumana. Recentemente, em Roma, várias figuras em madeira que representavam a mãe terra foram roubadas de uma igreja e lançadas no rio Tibre por fundamentalistas. Estes, para registrar ainda mais o grau da sua intolerância, gravaram tudo, ocultando, é claro, suas identidades.


Nas redes sociais, muitos católicos aplaudiram o gesto de intolerância como um ato heróico e necessário. Muitos, apoiados por padres e até bispos que, para reforçar e popularizar a sua oposição ao Sínodo da Amazônia, utilizaram seus púlpitos para denunciar o perigo dessas estátuas "pagãs".


Estes, desconhecem que as primeiras representações de Cristo que temos notícia foram pintadas nas catacumbas e são figuras de deuses pagãos gregos e romanos. Basta citar o Kriophoros, que os cristãos utilizaram para representar o bom pastor e encontra-se na catacumba de São Calisto (Sec III). Tal pintura é proveniente da cultura pagã grega e refere-se ao deus grego Hermes. Outros exemplos são o de Apolo no carro de sol, assimilado pelos cristãos como Cristo; Orfeu como representação da morte e ressurreição de Jesus; Bacco e Dionísio na cena das colheitas que para os cristãos tornou-se imagem da Eucaristia. Poderíamos citar ainda muitas outras figuras greco-romanas, consideradas pagãs, que foram assimiladas e reinterpretadas pelos cristãos dos primeiros séculos e chamamos de “arte paleocristã”. Se considerarmos a liturgia romana, podemos perceber fortes heranças do mundo romano, que não estavam presentes nas primeiras comunidades cristãs e, após a declaração do cristianismo como religião oficial do Império foram reinterpretadas e incorporadas no culto cristão. Estes são apenas alguns exemplos que confirmam que o cristianismo não se impõe, mas se integra nas mais variadas culturas.

Poderia ser diferente o encontro do cristianismo com os povos originários das Américas? São José de Anchieta, ao chegar no Brasil, procurou conhecer, entender e valorizar a cultura nativa. Aprendeu sua língua, protegeu seus costumes, promoveu sua sapiência medicinal e por isso, juntamente com Nóbrega, teve problemas com o primeiro bispo do Brasil, Dom Sardinha, que pretendia impôr costumes europeus aos indígenas. Anchieta escreveu várias catequeses, poemas e autos, e não temeu em traduzir a palavra Deus por aquela já conhecida e adorada pelos índios: “Tupã”. Pois, ele reconhecia que ali "Deus tinha chegado antes". O Apóstolo do Brasil, em linha totalmente contrária a dos fundamentalistas de hoje, não olhou a cultura dos povos originários como uma subcultura, um paganismo demoníaco determinado a ser destruído e subjugado.


O que falta a estes fundamentalistas e aos católicos que aplaudem seus atos é conhecimento da história e da teologia de sua própria religião. Só podemos temer que alguns deles, depois de lerem este texto, desejem também invadir as catacumbas romanas, ou até mesmo o Museu Vaticano, para destruir suas artes milenares.


Vi raccomando di essere attenti, cari poliziotti romani!



 
 
 

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